
Com o próprio incentivo da administração do Serviço Funerário Municipal, o projeto Terra de Deitados – o cemitério como campo de investigações cênicas documentais sobre a vida e a sobrevida na Cidade de São Paulo, contemplado pela 26ª Edição da Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, objetivou a investigação documental de alguns dos principais cemitérios públicos de São Paulo para flagrar como neles pode ser revelada a vida da metrópole que nunca descansa, que não pode parar. O cemitério, então, foi explorado como um microcosmo da cidade: campo possível para a investigação de temáticas que fujam do macabro e do fantasmagórico e lugar propício para investigações estéticas, tanto no que se refere ao aproveitamento cênico de espaços não convencionais quanto das estratégias para se efetivar a realização de um documentário cênico. As diferentes ações propostas tentavam convidar um número grande de pessoas para ocupar esse espaço público pouco territorializado da cidade. Nesse sentido, pretendeu-se em algum grau alterar fisicamente o retrato da cidade e, sobretudo, o imaginário simbólico de parte de seus habitantes: olhos despercebidos e distantes de quem trabalha e precisa se afastar da terra daqueles que estão mergulhados num profundo descanso. Com o material prático e conceitual gestado, numa perspectiva de site specific, encenamos dentro do cemitério Vila Mariana a trajetória de João, operário morto em um acidente de trabalho. Para ficar em silêncio sobre o acidente, a família de João ganhou um jazigo do patrão na necrópole em questão. Entre as cenas, que por meio de acontecimentos cênicos trazem a memória da viúva Francisca sobre o episódio, surgem os trabalhadores do cemitério, ajudando os atores com a comunicação teatral ao utilizarem recursos de seu próprio trabalho (um sepultador, por exemplo, dirige um carrinho, usado para levar familiares aos sepultamentos, como se fosse o trem que levou Francisca, João e as crianças de Gavião Peixoto a São Paulo). A plateia é convidada a perfazer o caminho da administração da necrópole até o jazigo da família de João. Iniciaram-se as apresentações de TERRA DE DEITADOS, que ganharam, inclusive, a atenção de críticos como o professor da USP, Ferdinando Martins: “(…) É uma obra que se aprende com o que não se torna palavra. O que vale a pena é entrar no jogo que se inicia antes mesmo da peça começar. Descendo as ruas tortas do cemitério, descobrindo e se deslumbrando com o que está ali, o corpo e a cidade tornam-se veículos para uma transcendência que não precisa ser religiosa para ser transformadora. Expiação que também é política, Terra de Deitados é um encontro de vida”. Devido à significativa repercussão, uma nova temporada da encenação foi realizada em novembro de 2016 no Cemitério da Vila Mariana.
















